terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Transe

Além do piso que tu, sem expressão, miras,
O banheiro tem um tom enegrecido horrível.
Aliás, tudo ali é de muito mau gosto,
Inclusive a música, já inaudível,
Que, como agulha num disco, te riscou o rosto.
Hoje és marcada e tuas costelas dão as caras.
Teus dedos são só dedos, mas insistes
Que te beijem, que te mandem flores,
E façam de tu o maior de todos outros amores,
Um devaneio de um tão pequeno segundo.
O prazer que tu tornastes imundo,
Vai de promíscuo a solitário, e são gemidos tristes,
Em tua banheira, mergulhada em sais.
Nesse cômodo, és apenas uma pessoa amarga,
Um buquê de papel, sem sequer pétalas ou hastes.
Tu sentes, enfim, o exato peso da tua carga,
E segues cega com os antolhos dos animais
Que, com espora, tu, sorrindo, marcastes.

Um comentário:

  1. Poesia forte! Um retrato fiel, sem retoques, e portanto triste, de uma deusa chamada " Carne Dadá ".

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