terça-feira, 9 de junho de 2015

Concepções de um recém-cego

Alguns garranchos distribuídos por aquele papel
Indicavam que o autor estava, certamente,
Muito insatisfeito consigo.
As letras pareciam brincar, de forma inocente,
Talvez a mesma brincadeira que as nuvens fazem no céu.
Uma despretensão que não apresentava qualquer tipo de perigo.
Mas havia um tom fúnebre, além da morbidez que jorrava,
Como uma goteira que pinga por noites e noites, em uma casa abandonada,
E não existe sequer um plano inconsciente de cessar.
Afinal, um objeto não pode, por natureza, pensar.
Concluo que o responsável por aquele grafismo curioso passava,
Sem a mínima intenção, seu pensamento de objeto, que não pensa nada.
Sendo assim, tudo naquele papel era nulo.
Lápis de cor nenhum atribuiria qualquer característica de vida àquela inconsistência,
Que, por insistência,
Transformava o que se conhece de felicidade em seu conceito mais chulo.
É possível que a morte, por ela mesma, se definisse com aqueles exatos dizeres.
Traziam, aqueles rabiscos, um luto que, se traduzidos em um grito,
Destoaria, em um choque, de tudo que há de mais bonito,
E mancharia a definição que provamos dos mais diferentes prazeres.
Arquitetado com mínimos resquícios de otimismo,
Aquele texto mal escrito gritava por atenção, e ficava ofegante por falar demais,
Como uma criança perdida em um parque, procurando pelos pais.
Era, aquilo, uma demonstração de que até a existência, por vezes, é puro cinismo.
"Sento, e sei que estou sentado,
Não pela forma do banco, mas sim pelo conforto que isso me traz.
Sei, também, que a velhice, dia após dia, se faz.
Contudo, não tenho o prazer de me sentir enrugado.
Me sinto preso em um espelho se despedaçando,
E, a cada nova rachadura, uma memória se esvai.
Eu sou uma parede inteira coberta por molduras.
(Nessa linha, um risco forte afundou o papel, quase o atravessando.
Uma lágrima minha cai
Em meio a todas aquelas amarguras.)
Assumo o compromisso, como qualquer um faria,
De encarar de uma outra maneira,
Mas de quantos olhos eu precisaria
Para enxergar além da cegueira?"
A cada verso decifrado, eu parecia despertar a marretadas, e, por seguidos instantes,
Fez-se palpável a escuridão daquela tentativa de discurso,
Enquanto o rio levava, para lugares distantes,
Segredos que se perdiam, e ficavam presos por entre as pedras do seu próprio percurso.

Um comentário: