um sentimento perfeito

o que você acha que é um sentimento perfeito?

era o tipo de pergunta
que pedia uma resposta fácil,
daquelas gostosas de ouvir

eu podia ter dito
que a cidade que tem dentro de mim
desmorona com o terremoto
que vem junto com o toque
da ponta do seu dedo,
e no meu peito risca um mapa
com todos os novos bairros
que surgem a partir dos escombros
daqueles prédios que caíram,
de suas fumaças,
e de toda aquela devastação

eu podia ter falado
de como eu queimo e viro cinza
no incêndio que surge com o raio
da circunferência da sua íris,
que, quando se choca com a minha,
são dois vidros que se arrebentam um no outro,
se espedaçam numa nuvem de cacos,
organizada como um cardume de peixes,
e se fincam na minha pele, um a um,
como a unha de uma pessoa
que já não tem mais controle de si,
e o quanto eu adoro isso

eu podia ter explicado
sobre o meu amor pelas coisas
que perambulam pelo meio
daquilo que você fala,
e como seu corpo muda
quando você me conta de tudo,
ou só dá risada,
e do jeito que você se mexe,
e se empolga, e gesticula,
e de tudo que te acomete
e te deixa de qualquer jeito,
porque qualquer um deles
já seria um sentimento perfeito

a sua alegria,
a sua tristeza,
não é difícil,
é só você

e é isso que eu acho perfeito,
pegar essa nebulosa,
que se forma toda hora no seu peito,
e espalhá-la pelo ar,
escancarada e sem medo,
tão lisa quanto à cicatriz
que, feita à mão, tatua o tronco;
um coração na árvore que,
pouco a pouco, vai parando de bater,
mas, quando se passa ao lado,
ainda se escuta o som do surdo,
que insiste, ritmado,
em falar cansado, com sua voz de mudo:

tum-tum

,

tum-tum

,

tum-tum

.

eu podia ter respondido
que acho incríveis as abelhas
e o mel que elas fazem,
depois que constroem a colmeia

a única coisa
que eu não podia ter feito
era sorrir pra você,
e dizer que não fazia ideia