– sabe o que me deixa triste, às vezes?
– o quê?
– lembrar de quando eu era pequena. hoje parece que me olho no espelho e tem uma assassina, bem ali, na minha frente. como se eu tivesse matado aquela... aquela criancinha que eu era, estrangulada. abafando os gritos dela, ainda. é como se eu tivesse o meu sangue nas minhas mãos o tempo inteiro.
a minha primeira resposta foi um olhar
que poderia escrever um livro
eu passava o café,
tinha acabado de ferver a água.
tinha acabado de ferver a água.
juntos, se estranhavam, em sua quentura,
com o fundo frio do copo.
– mas por quê?
– não sei. não sei, mesmo. eu era tão linda. por isso que não gosto quando a gente pega pra ver umas fotos. parece que eu me prometi um monte de coisa que não consegui cumprir. e ainda tô me prometendo. e é por isso que eu choro. e é nisso que eu fico com raiva. eu não paro de me prometer. me dá até palpitação, olha.
no encostar da mão,
parecia haver, ali,
entre as todas costelas,
uma escola de samba
bastante empenhada,
mas sem demais ensaio,
e ela entoava, sem pausa,
suas mais tristes marchinhas,
demarcadamente,
e s p a ç a d a m e n t e ,
num ritmo muito,
muito acelerado
– viu?
– não sei se você é uma assassina. muito pelo contrário. parece que você traz vida ao invés de tirar. como se fosse uma deusa, sabe? com uma mochila cheia de vida, e sai distribuindo por aí. e eu não tô brincando, não. é bem sério. isso aí tá mais pra linchamento. o mundo todo tem parte nessa morte, também. pelo menos eu acho.
– eu sei que tem. mas também tem inferno dentro de mim. parece que é escuro, e queima tudo. que nem esse café, aí. é quente como fogo. me dá sua mão. tá vendo?
dessa vez, não tinha nada de muito diferente.
foi quando eu fiz a pergunta
que, até então,
estava quieta,
completamente esperando para ser perguntada:
– o que você sente
quando eu coloco a mão aqui?
o olhar-livro, agora,
era direcionado a mim,
porque falar que aquilo
era um mero silêncio
seria desmerecer toda a construção
daquela complexa resposta não-verbal
daquela complexa resposta não-verbal
– eu sinto isso.
haviam, momentos depois,
diversas pessoas na calçada,
e, a fim de saciarem suas curiosidades,
perguntavam ao corpo de bombeiros
o que tinha acontecidodiversas pessoas na calçada,
e, a fim de saciarem suas curiosidades,
perguntavam ao corpo de bombeiros
"parece que se alastrou do nada.
a casa queimou inteira, né.
mas os dois estão bem.
mas os dois estão bem.
só esse estado de choque que é normal."
ainda em chamas,
ainda em prantos,
sussurrava:
tudo isso?
eu te disse,
ela falou,
eu te disse
Hoje conheci o psicólogo, creio tê-lo encontrado por aqui, talves por isso me pareceu apriore uma incógnita, confesso que ainda o é, pois tudo mudou, as condições são
ResponderExcluiroutras, porém, hoje descobri sua profundidade literal e entendi sua aversão por superficialidades.
CARALEO. Eu to é apaixonada nesse texto.
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