sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

hoje eu me tomei nos braços

há uns vinte anos cri que poderia
negociar um objeto do armário:

era um pedaço de plástico torto,
sem bexiga na ponta, amassado 

"leva pro seu filho, moça,
olha que bonito, ele vai adorar",
e reconheci no tom da minha voz
a grande pena que por mim sentia,

do quanto eu detestava
criar esse cenário tosco
pra poder ter mais certeza
de que eu, de fato, merecia
não ter amigo algum

essa ferida é um tiro e me matou

depois de ouvir a minha história,
voltei à loja que criei em mente,
comprei o produto que não era nada,
e que pra algum cliente imaginário
eu não obtive sucesso em vender

passei de forma despretensiosa
pra dar de cara comigo brincando,
e até as músicas que eu escutava
não imaginava que iria lembrar

meu eu criança não entendeu muito,
me deu a mão pra me levar pra sala,
com o olho tímido pegou o controle
e me pediu pra ficar mais um pouco

a conveniência que existe
em todo pequeno momento
me convenceu de que havia
tudo do mais importante
a ser feito imediatamente

hoje eu me tomei nos braços,
me dei um beijo no rosto,
pedi desculpa por não aparecer,
me deixei ali sozinho
e até agora me espero voltar

são por esses motivos quietos
que eu vivo tentando não pensar
que morro de medo de me esquecer

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