terça-feira, 24 de janeiro de 2023

o superpoema

fascinado pelos símbolos,
os óculos lhe escorregavam no rosto:
de fato, a pele oleosa era o mesmo que um troféu,
um discreto reconhecimento da natureza
pelos longos momentos de busca que lhe entortaram a coluna

aquele homem aparentava ser familiar com todos os conceitos de vida,
e, inevitavelmente, buscava fazer jus ao contrário

apesar de nunca obter êxito,
havia, até então, criado circunstâncias inóspitas,
além de metáforas do mais confuso entendimento,
onde o medo do tempo era um obstáculo quase que imbatível

anos de melancolia lhe custaram o desenrolar dos dias,
mas era essa incessante perda que lhe servia de combustível,
já que, intrigantemente, esse parecia ser seu maior impulso,
pagando a sua dívida com a curiosidade
com sua constante perda de cálcio nos ossos:
lhe parecia um preço justo, dado o absurdo

acomodado numa cadeira de tranças semi-desfeitas,
um simples ser humano percebeu seu destino,
e decidiu escrever o que apelidou de superpoema

se sentiu um tolo pela prepotência,
mas sempre admirou pequenos atos de subversão,
por mais inocente que este fosse

com um sorriso idiota nos beiços,
inconscientemente tinha os olhos cimentados na mangueira,
assim como em coloridas mangas apodrecidas
que serviam de banquete a pequenos insetos

o ciclo completo, naquele instante, era óbvio

a pequena ponta de uma indiferente caneta esferográfica
bordava o desfecho de tarde para que se desse à luz a noite

pela primeira vez, entendeu o que era não sentir nenhum receio,
já que essas afirmações sempre lhe pareceram falsas e desesperadas

pôs-se de joelhos a implorar por um último discernimento,
algum que nunca tivesse tido,
mas esse tipo de desejo não possuía um destinatário,
e, portanto, ele não obteve resposta alguma

sacou o papel e engatilhou o que havia entendido,
dobrou a nuca de boca aberta,
pronto a disparar sob o título sua mais nova criação

quieto, o poeta não podia mais pensar,
e o peso do seu corpo, agora,
amassava dois pequenos versos
que resumiam todas suas terrenas constatações

nenhuma outra apresentou tamanha sinceridade,
sem contar a facilidade de interpretação,
que, ao mesmo tempo,
apenas alguém em paz teria o direito de clamar

esta é a história de cada um de nós

superpoema

eu vivi a vida.
como é lindo o céu

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