segunda-feira, 25 de maio de 2020

a gente se mata na arte

a gente se mata na arte,
e, quando noto,
já à força teço a forca
de sentido figurado,
com trapos ou outros achados
nesta imensa caixa suja
de passagens e passados

eu chuto a cadeira
e deus assopra no meu rosto,
assim eu lhe agradeço
por toda intensidade

a gente se mata na arte
e ressuscita afogado em choro,
como enxofre que se transmutasse
e novo aroma agora fosse,

a gente se mata na arte
e ressuscita doce

porque a arte dói,
ela te perfura,
ela quer que você se vaze
até não sobrar mais nada

porque a arte dói
é por que eu sou

porque a arte me bate,
ela me estressa,
me embebeda, me inebria,
me enjaula, é corrosiva
e me engole,
a arte é desgraçada,
e eu sigo seu exemplo
de se desembaraçar
sem pressa,
sobre escombros debruçada

é quando acordo
e de manhã logo me curvo,
implorando, outra vez,
que a arte me desafie,
eu suplico que a arte me proponha
novas chances que eu não tive a capacidade
de conseguir imaginar sozinho

eu me fundo ao que escuto,
adoro coisas que vejo,
e, enquanto caminho,
pontuo sobre o som agudo
que me vem ao ouvido,
vez em quando,
e eu não ouço nada

porque se antes só sofria eu,
agora, a arte comigo sangra,
ela é a chave da tranca
do banco onde guardo
tudo que é meu

a arte é minha,
e a arte sou eu

Nenhum comentário:

Postar um comentário