às vezes, de manhã,
sinto o poder da criação,
como descrito por João Nogueira,
de o poeta não controlar,
após se dar conta disso,
seu momento de criador
seu momento de criador
e aí eu sinto uma vontade imensa
de agradecer a coisa que seja
que possa ter me mostrado
aquilo que quero dizer
até que tenho achado recorrente
esse negócio de falar que a gente
não escolhe e não participa
dessas horas de concepção
longe de mim querer
definir como faz pra escrever
uma poesia que dá certo
as palavras aos poucos cabem,
parece que elas sozinhas sabem
o que eu, sozinho, não sei
o que se cria do zero é tão forte
que se sente um beijo no rosto,
e te deseja tudo de bom
é quando a tua criatura,
suturados os pedaços,
te devolve o amor cedido,
e ela te acalenta
há de se tomar cuidado
pra não achar que é inédito
um verso que saiu bonito,
um possível sentimento novo
um verso que saiu bonito,
um possível sentimento novo
não entendo de magia, é verdade,
mas de cartola já puxei o que deu,
descobri que tudo no mundo acontece
e tem muito que, sem motivo, é,
dá desejo de sair espalhando,
que nem Tim Maia com o desencanto
dá desejo de sair espalhando,
que nem Tim Maia com o desencanto
entre tantos mil detalhes eu transito
que inevitavelmente acabo
encontrando outro significado
pra algum velho poema chinês
pra que quando inesperada matilha,
antes oculta em um lugar indefinido,
de abrupto surgir em meu caminho,
eu ofereça ambas minhas pernas,
e em muitas mordidas se dissolva
minha inata capacidade de andar,
com intuito de aprender a caminhar
e se desse mesmo local inébrio,
como fosse sonho feio eu avistasse,
num ímpeto, um esguio animal diferente,
indicando, na maldade das presas,
o perigo venenoso de seu bote,
caso viesse em minha direção,
a fim de me sabotar
é num caso extraordinário como esse
em que eu, sem intuito de ser,
viro refém e recém-réu da minha arte,
assim ofereço a esse animal a minha morte
a fim de aprender a viver
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